O recrudescimento da violência armada em Cabo Delgado está a comprometer gravemente o acesso à saúde para milhares de moçambicanos, sobretudo nos distritos mais afetados pelo conflito que assola o norte do país há quase oito anos. Em meio a deslocamentos forçados, insegurança crescente e um sistema de saúde fragilizado, a população vê-se privada de cuidados médicos essenciais, numa crise que se intensifica a cada novo ataque.
Segundo a organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF), os efeitos da insegurança são alarmantes. Em 2025, mais de 43 mil pessoas foram deslocadas apenas devido a ataques e incidentes violentos, sendo que 134 mil foram diretamente afetadas pela violência no mês de maio – o maior número registado desde junho de 2022, de acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA).
Infraestruturas destruídas e actividades suspensas
A situação mais crítica é observada em distritos como Macomia, Mocímboa da Praia, Muidumbe e Meluco, onde a violência forçou a suspensão de atividades médicas e humanitárias. Em Macomia, por exemplo, um ataque em maio de 2024 resultou na paralisação das operações da MSF, que só conseguiu retomar os serviços parcialmente em abril deste ano. Antes do ataque, o distrito contava com sete centros de saúde; actualmente, apenas um permanece funcional.
“Estamos a priorizar os casos mais graves, mas isso deixa muitas pessoas sem atendimento”, lamenta o Dr. Emerson Finiose, médico da MSF em Macomia. O centro de saúde remanescente está sobrecarregado por um número crescente de deslocados que procuram refúgio na vila.
Cenário repetido em toda a Província
A degradação dos serviços de saúde em Macomia é um reflexo do que ocorre em grande parte da província. Estima-se que mais de metade das unidades de saúde de Cabo Delgado tenham sido destruídas ou danificadas desde o início do conflito. A passagem do Ciclone Chido, no final de 2024, agravou ainda mais a situação, sobretudo no sul da província.
Mesmo nas unidades em funcionamento, há falta de profissionais, equipamentos e medicamentos, e o acesso é dificultado pela insegurança e pelas distâncias.
Impacto directo nos cuidados Médicos
Entre janeiro e maio de 2025, a MSF realizou uma média de 18.000 consultas médicas por mês nos quatro distritos onde actua. Contudo, a instabilidade impacta diretamente estes números. Em Mocímboa da Praia, por exemplo, o número de consultas ambulatórias caiu de 12.236 em abril para apenas 1.951 em maio, uma queda drástica atribuída ao aumento da violência.
Além de cuidados médicos gerais, a MSF também oferece tratamento de HIV, tuberculose, saúde mental, serviços materno-infantis e assistência em água e saneamento. Contudo, em 2025, a organização foi obrigada a suspender atividades comunitárias cinco vezes, por pelo menos duas semanas em cada ocasião.
Agentes comunitários na linha de frente
Num contexto onde o acesso aos centros de saúde é limitado, os Agentes Polivalentes Elementares (APEs) têm desempenhado um papel crucial. Eles percorrem as comunidades para disseminar informações sobre higiene, saúde e prevenção de doenças como a malária, além de encaminhar doentes para os centros de saúde.
“Compartilhar informações de saúde é essencial, especialmente em tempos de conflito”, afirma Fátima Abudo Laíde, promotora de saúde da MSF em Malinde. “Já acompanhei partos de madrugada, mesmo com medo. Mas estamos aqui para garantir que ninguém fique sem ajuda.”
Casos comoventes e a falta de recursos
A falta de acesso a cuidados de saúde tem consequências trágicas. Um exemplo é o de uma mulher grávida em Mbau, que entrou em trabalho de parto durante a noite. Sem possibilidade de evacuação segura, deu à luz na comunidade. Foi levada ao hospital apenas pela manhã, mas já em coma – uma situação que poderia ter sido evitada, segundo a parteira Sunga Antônio, se o centro de saúde local estivesse a funcionar.
Apelo por protecção e coordenação humanitária
A MSF alerta que a resposta humanitária em Cabo Delgado precisa ser reforçada urgentemente, com proteção aos profissionais de saúde e apoio coordenado por parte de outros atores.
“O conflito em Cabo Delgado tornou-se uma crise humanitária profunda, que afeta todas as dimensões da vida – saúde, educação, dignidade”, destaca o Dr. Finiose. “Sem acesso seguro e sem apoio internacional, não conseguiremos chegar a quem mais precisa.”
A violência contínua em Cabo Delgado ameaça não só a integridade física da população, mas o próprio direito à saúde. Enquanto o conflito se prolonga e a ajuda humanitária diminui, milhares de pessoas enfrentam um futuro incerto, com cuidados médicos cada vez mais fora do alcance. (Comuncado/MRTV)
%20(1).jpg)
إرسال تعليق